SUICÍDIO TENÍSTICO (09/04/2020)             Carlos Roberto de Faria

Sensatez nunca fez parte das minhas (poucas) qualidades. Sorte, talvez. Afinal sobrevivi a inúmeras insensatezes. Acho que ao escrever esse texto estarei cometendo um suicídio tenístico, mas cadê a sensatez?

Nos primórdios do tênis, na Inglaterra dos anos de 1850, o tênis era um jogo de gentlemen, praticado em calças e camisa de linho branco, com extremo cavalheirismo entre os praticantes. Mas como tudo o mais, o tênis rompeu fronteiras e espalhou-se pelos quatro cantos do mundo, chegando aos países mais atrasados e aos ditos em desenvolvimento (emergentes).

Ninguém iniciava o jogo sem certificar-se de que o adversário estava preparado para o saque, daí a expressão “play?”. O silêncio entre os jogadores e também entre os torcedores sempre foi observado em virtude da alta concentração exigida pelas características do esporte, onde a bola é pequena, atinge velocidades muito altas e é manipulada através de um instrumento (raquete), e não diretamente pelas mãos ou pelos pés, como nos outros esportes. Acrescente-se que a área a ser coberta pelos jogadores é muito maior do que a de qualquer outro esporte.

Agressões verbais “amistosas” ou referências a diferenças físicas, culturais, técnicas, ou quaisquer outras, eram impensáveis. “A esquerda dele é cega”, “loba que ele é baixinho”, “dá uma curta que ele é barrigudo”. Ou as suas variáveis: “vamos quebrar que ele não saca nada”. “Fora? Olhe direito que o seu campo está muito curto”. Qualquer coisa é válida para desconcentrar o adversário. E o serviço? Muitos, perto de 100% dos sacadores, pisam na linha, quando não adentram a quadra. E quando devolvem a bola para o outro servir fazem questão de jogar o mais forte e o mais longe possível. Elegância? Isso é coisa de…

Para manter a tradição inglesa, façamos um paralelo com o futebol. Até há poucos anos era comum ouvir de torcedores: “ganhar é bom, mas ganhar roubado é muito melhor”. E até hoje os jogadores fingem contusão, não respeitam a distância nas barreiras, seguram, socam ou chutam os adversários. Quando o zagueiro é ultrapassado ele TEM de fazer a falta, senão leva o gol. Ou seja, ganhar a qualquer preço. Os jogadores malandros eram (são) endeusados. Quem não se lembra de uma copa do mundo decidida com um gol de mão? Ninguém fica com vergonha. Que vença o mais desonesto.

Todos fazem assim! Na verdade, nem todos. É brincadeira! Acredito que sim. Os brasileiros temos o hábito de dizer brincadeiras pejorativas. Quem nunca ouviu algum amigo dizendo que vai trocar sua esposa de quarenta ou cinquenta anos por duas de vinte? Ela não liga! É possível que ela não fique muito feliz, mas o que fazer. É brincadeira!

Finalmente tem o nível. Em todas as quadras tem alguns jogadores excepcionais que não deveriam, definitivamente, misturar-se com os desqualificados. É de cortar o coração observar o enorme sacrifício que eles fazem ao ter de confrontar adversários de níveis tão rasteiros, por contingências às vezes inevitáveis. Graças aos deuses eles têm uma soberba inabalável, que os permite sobreviver a esses percalços, até que possam retornar ao Olimpo. O mais surpreendente é que muitos jogadores da escória sonham com o momento de nivelar-se com os seus astros.

O curioso é que, talvez pela minha inexperiência da vida esportiva, ainda não consegui vislumbrar a que nível os grandes jogadores se referem. Talvez seja porque o meu nível intelectual ou cultural não me permita adentrar as nuances dos níveis esportivos. Felizmente existem jogadores para todos os níveis e cada um acaba por encontrar o seu “parceiro gêmeo”.